O Enigma dos R$ 99,99: Marketing, Psicologia e a Legalidade por Trás da Estratégia de Preços
Você já se perguntou por que a maioria dos preços no varejo termina em R$ 99? De lojas de departamento a supermercados, essa estratégia de precificação é onipresente. Mas o que realmente está por trás desses centavos a menos? Seria apenas um truque de marketing, um jogo psicológico com o consumidor, ou existe alguma razão fiscal ou jurídica para isso? A verdade é que a precificação com "99" é uma das táticas de vendas mais antigas e eficazes do varejo.
A Força Psicológica que Move o Varejo: O Efeito do Dígito à Esquerda
A razão mais evidente por trás do uso de preços quebrados reside na psicologia do consumo. Esse fenômeno é conhecido como "efeito do dígito à esquerda", e sua eficácia é comprovada por inúmeros estudos. Nosso cérebro, ao processar números, concentra-se no primeiro dígito, o mais à esquerda. Quando vemos um produto por R$ 199,99, a impressão inicial é a de que o preço está "na casa do 100", e não do 200, apesar da diferença ser de apenas um centavo.
Essa pequena distorção de percepção é poderosa. Ela faz com que o consumidor associe o preço a uma categoria mental mais baixa, percebendo-o como mais acessível. Essa sensação de “barganha” ou “pechincha” é um gatilho para a compra impulsiva. O preço com “99” sugere uma oferta especial, um desconto, um preço que foi cuidadosamente ajustado para ser o mais baixo possível, em vez de um valor arbitrariamente arredondado. Isso cria uma ilusão de que o consumidor está fazendo um bom negócio, o que contribui para a decisão de compra.
A Perspectiva Jurídica e a Legalidade da Prática
Do ponto de vista jurídico, a precificação com 99 é um tema que levanta questionamentos. A prática é lícita ou se enquadra em propaganda enganosa? A resposta, de forma geral, é que a estratégia é legal, mas com ressalvas importantes que a diferenciam de uma prática abusiva.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC), em seu artigo 37, proíbe a publicidade enganosa, que é aquela que "induz o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou a adquirir um bem que não se adequa às suas expectativas". A precificação com 99, por si só, não se encaixa nessa definição porque o preço total é exibido de forma clara e visível. Não há omissão de informação. A estratégia atua sobre a percepção, não sobre a ocultação do preço.
No entanto, o limite entre uma estratégia de marketing inteligente e uma prática enganosa é tênue. Se um lojista utiliza o preço com 99 para, por exemplo, vender um produto que já está com o preço inflado, para depois supostamente "abaixá-lo" para R$ 99,99, isso poderia ser considerado uma forma de publicidade abusiva. O que a lei coíbe é a má-fé, a criação de uma situação onde o consumidor é deliberadamente induzido a erro através de informações falsas ou manipuladas.
Um caso que exemplifica a proteção do consumidor é o do preço cobrado no caixa. Se um produto é anunciado por R$ 99,99 e, ao passar no caixa, o sistema registra R$ 100,00, o consumidor tem o direito de pagar o valor anunciado, conforme o Artigo 35 do CDC.
Essa é uma violação do princípio da vinculação da oferta, onde o preço anunciado se torna uma obrigação para o fornecedor. A lei protege o consumidor contra a cobrança de um valor diferente do que foi exibido, independentemente do motivo.
Mitologia Fiscal: A Falsa Conexão com os Tributos
Outro mito persistente é o de que a precificação com 99 seria uma maneira de escapar de uma alíquota fiscal mais alta ou evitar impostos. Essa crença é completamente infundada. No Brasil, a base de cálculo para a maioria dos impostos, como o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), é o valor total da operação de venda.
A diferença de 1 centavo entre R$ 99,99 e R$ 100,00 não altera a alíquota aplicável. A tributação incide sobre o valor da transação. As alíquotas fiscais não são aplicadas de forma "escada", onde passar de um valor para outro muda a taxa de imposto drasticamente. A única diferença tributária entre os dois preços é a insignificante variação proporcional ao 1 centavo. Portanto, a motivação por trás do preço com 99 é puramente comercial, e não fiscal.
A Exceção à Regra: O Mercado de Luxo
Apesar da onipresença da precificação com 99, existe um segmento do mercado que a evita a todo custo: o mercado de luxo. Marcas de alta costura, joalherias e fabricantes de automóveis de luxo preferem preços arredondados, como R$ 5.000, R$ 10.000 ou R$ 100.000.
Nesses casos, a psicologia é inversa. O preço redondo não sugere uma "pechincha", mas sim exclusividade, prestígio e qualidade inquestionável. A terminação em 99 poderia desvalorizar a marca, passando uma imagem de que ela precisa de truques de marketing para atrair o consumidor. Para o público de luxo, o preço é parte do produto, uma barreira que filtra o público e reforça o status do consumidor. O valor não é "quebrado" porque a marca não quer que seu produto seja associado a algo que precise ser "vendido" ou parecer mais barato.
Conclusão: Uma Análise Abrangente
O preço de R$ 99,99 não é uma coincidência. Ele é o resultado de uma estratégia complexa que une marketing, psicologia e, no limite, o direito do consumidor. É uma tática legalmente aceita que busca influenciar nossa percepção de valor para impulsionar as vendas, sem, no entanto, ocultar o preço real.
Da próxima vez que você se deparar com um preço com 99, lembre-se que, por trás daquele dígito, existe uma ciência complexa, um debate jurídico e a intenção de fazer você abrir a carteira. E você, como consumidor, consegue se desvencilhar dessa estratégia ou a aceita como uma parte natural do varejo moderno?