O Globo
Gian Amato, especial para o Globo
25/01/2019 - 17:00 / Atualizado em 25/01/2019 - 19:19
LISBOA — Uma fila gigante do lado de fora do edifício é a parte visível de um extenso problema que o consulado do Brasil em Lisboa enfrenta desde a segunda semana de janeiro e que começa a ser resolvido nesta sexta-feira. Em uma indicação do aumento da chegada de brasileiros a Portugal, embora ainda não haja números oficiais para este ano, as demandas ao consulado se multiplicaram. Depois de os brasileiros passarem noites na calçada, no frio e na chuva, em busca de uma das 750 senhas de atendimento distribuídas diariamente, o Itamaraty reabriu nesta sexta-feira o agendamento exclusivo pela internet.
Somente as solicitações de registro de antecedentes criminais, documento crucial para a autorização de residência de brasileiros em Portugal, mais que dobraram: subiram de 13 mil para 31 mil no último ano. Nos bastidores, os funcionários do consulado admitem que não esperavam a multiplicação da demanda dos pedidos no início de 2019 e estiveram às voltas com problemas de comunicação e informática. Em 2017, último ano para o qual há números fechados, a colônia brasileira, a maior do país, ultrapassou 85 mil pessoas.
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A distribuição de senhas por ordem de chegada começou em maio de 2018, mas, ultimamente, mais de mil brasileiros procuram por dia o órgão, que trabalha acima da sua capacidade de atendimento, apesar de ter contratado funcionários. Há um ano, cerca de 300 pessoas iam ao consulado diariamente: menos da metade do público atual.
Na manhã de quinta-feira, no entanto, ainda havia fila grande. O consulado diz que é um período de transição até o restabelecimento do agendamento virtual. Nem o atendimento prioritário acelerou o processo. O publicitário Max Leal e a sua mulher tentavam registrar a filha, Alice, de apenas 1 mês e meio. Segundo ele, havia filas por todos os lados, dentro e fora do prédio, nos corredores, escadas e diferentes andares.
— Como estávamos com um bebê, fomos atendidos prioritariamente. Mesmo assim, chegamos às 8h e saímos por volta do meio-dia. Foram quase cinco horas para fazer um registro de nascimento. Da vez anterior, foi toda a manhã da mesma forma. O time dos servidores lá é dedicado e paciente na medida do possível. Mas falta infraestrutura. A demanda é imensa e não cabe no prédio. Sempre há fila de brasileiro do lado de fora. Uma calçada inteira para passar vergonha — disse Max.
Ao chegar à fila às 5h30m do dia 9 de janeiro, o advogado Célio Sauer encontrou cerca de 200 pessoas. A maioria havia passado a noite em busca de uma senha distribuída às 7h, uma hora antes do início da jornada de trabalho do consulado, que antecipou das 9h para 8h o horário de abertura. Quando percebeu que muitos não seriam atendidos, Sauer resolveu criar ali mesmo, pelo celular, uma petição pública na internet. Pede a intervenção e a reorganização da administração do consulado do Brasil em Lisboa e, até 24 de janeiro, tinha mais de 3 mil assinaturas.
A petição ajudou a adiantar a retomada do agendamento na internet. No entanto, há relatos que os e-mails de confirmação não têm sido entregues.
— Naquele momento, percebi que a situação era grave. Pessoas com cobertores, no inverno, muito frio na madrugada. Mais e mais pessoas chegando. Criei a petição e ela se propagou, as pessoas levantaram a bandeira. Fizemos uma reclamação formal ao Itamaraty e, a partir disso, o consulado disse que resolveria o problema – disse Sauer, que foi ao órgão verificar questões sobre a carteira de motorista portuguesa.
Apesar de o consulado ter contratado funcionários, há relatos de uma espera de até 14 horas na fila para, muitas vezes, nem sequer conseguir a resolução do problema.
— Eu precisava justificar o voto. Já tinha ido duas vezes e nem cheguei perto de pegar a senha. Na terceira vez que eu fui, por volta das 6h, cheguei lá na frente e disseram que não iriam fazer mais a justificativa no consulado, apesar de toda a informação no site direcionar para o órgão. Senti muito frio, porque peguei chuva e estava exausta em pé na fila do lado de fora. Entrei na fila três vezes, em três dias diferentes, e fiquei nove horas ao todo — disse a aposentada carioca Katia Ferreira, de 55 anos. — O mais cruel são as crianças e idosos na fila, no frio, em pé, sem banheiro, porque só quando abre o consulado é que dá para ir.
Nas vezes em que foi à fila, Katia, uma das primeiras a assinar a petição, ouviu o burburinho em volta do comércio de venda de lugares na frente.
— Eu ouvi, não vi venderem nem me ofereceram. Mas é assim: vai lá na frente que vendem. Eu vi gente na frente, e, cinco minutos depois que o consulado abriu, já estava saindo do prédio, indo embora. Nenhum atendimento é tão rápido assim.
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