Mariana Fonseca · Julho 13, 2018
São Paulo – Voo atrasado, cancelado ou preterido por conta de overbooking. Se você nunca passou por tais problemas ao viajar, provavelmente tem um conhecido que foi vítima das surpresas negativas das companhias aéreas. Poucos assumem o risco de levar adiante uma reclamação e transformá-la em processo – o que abriu os olhos de quatro empreendedores para a criação de um negócio com grande potencial de mercado – e boa margem de lucro.
A Quick Brasil tem como proposta dar suporte prático e rápido a passageiros lesados em mais de quatro horas por problemas das aéreas. A startup antecipa uma remuneração de mil reais aos consumidores e assume, então, os riscos de negociar reparações maiores com as companhias – e embolsa os ganhos do litígio. Em operação desde outubro do ano passado, a Quick Brasil já ajudou mil passageiros e faturou um milhão de reais. A meta, até o final do ano, é quintuplicar os ganhos.
Criação de negócio: mercado, consumidor e solução
O advogado e empreendedor Thiago Naves criou a Quick Brasil a partir de outra experiência similar: o site Lar do Consumidor. Criada em 2012, a plataforma atende gratuitamente questões de usuários lesados, fornecendo informações sobre diversos direitos do consumidor.
A universidade americana Massachusetts Institute of Technology (MIT) ficou interessada no site e convidou Naves para desenvolver melhor a empresa no Global Entrepreneurship Bootcamp. O bootcamp, intenso, tem como objetivo fomentar a criação de um negócio em apenas uma semana. “Acho que eles viram não só nosso potencial como negócio, mas também como projeto social. Quando seu dano é reparado, o consumidor volta a acreditar em justiça”, afirma Naves.
Dos 6.000 inscritos, apenas 120 foram selecionados e convidados a viajar para Brisbane, na Austrália, em março de 2017 – e morar no evento, literalmente. Naves se juntou a Amory Gonzalez, da Guatemala; Gaurav Tandel, da Índia; e Jon Hanson, dos Estados Unidos, para criar o projeto The Quick Claim, que depois se tornaria a Quick Brasil.
Amory Gonzalez, Jon Hanson, Gaurav Tandel e Thiago Naves, da Quick Brasil
Amory Gonzalez, Jon Hanson, Gaurav Tandel e Thiago Naves, da Quick Brasil (Quick Brasil/Divulgação)
Os empreendedores aplicaram a metodologia de criação de empreendimentos proposta pelo MIT. Primeiro, uma pesquisa de mercado bem feita e quantificação do tamanho do setor atendido. Segundo Naves, há oito milhões de passageiros que sofrem com atrasos e cancelamentos de voos por ano e 10% possuem danos superiores a quatro horas, passíveis re retratação financeira. Mas, dessas 800 mil pessoas, apenas 80 mil procuram seus direitos. Com base em tais dados, os empreendedores calcularam um potencial de ganho de 400 milhões de reais anualmente.
Depois, é preciso fazer um estudo de segmentação do público e criar a “persona”, que é a descrição de um cliente ideal. No caso da Quick Brasil, é a pessoa que teve um problema com seu voo e não faria nada quanto a isso.
Com base nesses dados de mercado e de consumidores, a startup deve calcular seu custo de aquisição do cliente (no jargão, CAC), por quanto tempo ele será fiel e rentável ao negócio (LTV) e qual seria a precificação mais adequada para os serviços. “Geralmente os empreendedores lançam a ideia e só depois seguem esses passos. Eles veem muito tarde que o negócio não tem como dar certo ou que passará por várias dificuldades”, diz Naves.
Depois do bootcamp, a Quick Brasil tinha uma proposta de valor sólida, com o adiantamento da indenização aos consumidores. Também criou uma proposta de monetização, ao levar para frente causas que seriam esquecidas no mar de reclamações contra serviços aéreos.
Como funciona?
Para pedir uma indenização na Quick Brasil, é preciso sofrer mais de quatro horas com inconveniência (uma exigência da Anac para pedir reparações significativas).
O usuário entra no site e relata sua reclamação – voo atrasado, cancelado ou preterido por overbooking, por exemplo. Os consultores da startup avaliam gratuitamente o problema e, caso haja direito real à reparação, o consumidor recebe mil reais depositados em sua conta bancária, vindo dos próprios fundos da Quick Brasil.
– (Quick Brasil/Divulgação)
Ao concordar com o depósito, o usuário renuncia receber qualquer outro valor da companhia aérea referente ao caso. Quem assume a burocracia é a Quick Brasil, que passa a pedir a retratação oficial diretamente com a aérea.
Pode dar errado. Mas já deu certo em 95% dos casos atendidos pela startup, com uma indenização média de 2 mil reais – uma margem de lucro de 100%. “Em boa parte dos casos não precisamos recorrer à Justiça, acordamos com a própria empresa. Isso poupa custos das aéreas com a área jurídica e desafoga o sistema judiciário. Trazemos benefícios para toda a cadeia”, afirma o empreendedor.
Uma negociação dessas, porém, pode levar até seis meses. A Quick Brasil investe pouco em publicidade paga, pois teme receber um volume de pedidos incompatível com seu fluxo de caixa. Se todos os passageiros de um avião atrasado protestarem, a startup pode ter depositar uma indenização total de 200 mil reais, por exemplo.
Desde outubro de 2017, quando a Quick Brasil começou de fato a solucionar causas, mil consumidores foram atendidos. O faturamento acumulado da startup está em um milhão de reais. Um décimo dos casos foram recebidos nos últimos dez dias. “Nosso crescimento se dá geometricamente e de forma orgânica, com cada pessoa atendida indicando outros conhecidos com o mesmo problema. Temos uma política de premiação: se você indicar um amigo, no seu próximo caso receberá uma remuneração maior, de cerca de 1.200 reais.”
Futuro
A startup foi novamente convidada para um programa de imersão do instituto da Massachusetts, chamado MIT Innovation & Entrepreneurship Bootcamp, que será realizado no final deste mês no Rio de Janeiro. Desta vez, porém, não está lá para criar um novo negócio. A Quick Brasil será apresentada como inspiração, mostrando que empreendimentos reais podem surgir do evento.
Seguindo a ideia de crescimento geométrico, a Quick Brasil espera atender apenas em dezembro 1.000 consumidores, a mesma quantia que atendeu durante toda sua história. Em 2018, o faturamento da empresa deve quintuplicar, alcançando 5 milhões de reais.
O nicho de problemas aéreos deverá se aprofundar até o fim de 2019. Em 2020, a companhia espera ter seu modelo já validado e expandir para outros segmentos, como o de planos de saúde.
“É outra área na qual o consumidor está completamente desacreditado. Apresenta uma complexidade maior, pois estamos envolvendo tratamentos e cirurgias que podem salvar vidas. Mas a rentabilidade aumenta na mesma proporção. Outras possibilidades são os ramos de cartão de crédito e telefonia”, diz Naves. Se depender da insatisfação dos consumidores, não faltarão nichos para a Quick Brasil explorar.
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