É mais comum do que as pessoas pensam. Depois que o prédio ficou um tempo fechado, por causa da pandemia, senti que houve um aumento significativo nas aparições — conta o servidor, que dá expediente no Municipal há quase três décadas. Nesse tempo, Francisco avistou muitos fantasmas anônimos, mas também teve a oportunidade de uma breve conversa com o escritor Olavo Bilac, famoso poeta parnasiano que fez o discurso inaugural do Theatro, em julho de 1909.
Colega de Francisco no expediente do Municipal, Helene Nascimento, 35 anos, também viveu uma experiência de arrepiar os cabelos.
— Estava trabalhando normalmente no meu computador, já era tarde, por volta de nove da noite. Percebi um homem alto, vindo pelo corredor, mas continuei concentrada no trabalho. Ele abriu a porta de ferro e entrou, quando fui olhar diretamente pra ele não havia mais ninguém, nada. Senti um calafrio na hora. Aquilo me impressionou — disse Helene.
O Centro do Rio, farto de edifícios históricos, é um prodígio em termos de avistamentos sobrenaturais. Há relatos conhecidos na Biblioteca Nacional, no Palácio Pedro Ernesto, no Paço Imperial, no Arco do Telles, no Museu Histórico Nacional e no Real Gabinete Português de Leitura (RGPL), por exemplo.
— As histórias de fantasmas são quase uma tradição nas bibliotecas e nos prédios históricos. Eu tenho a tese de que o fantasma de Machado de Assis mora aqui, numa porta decorativa que temos na sala dos brasões — diz Gilda Santos, diretora vice-presidente cultural e do centro de estudos do RGPL, instituição fundada em 1837, que ocupa um prédio de assombrosa beleza, erguido em estilo neomanuelino, na Rua Luís de Camões, próximo ao teatro João Caetano, no Centro do Rio.
Gilda lembra que Machado frequentou bastante o Real Gabinete, onde, contam os biógrafos do Bruxo do Cosme Velho, adquiriu muito da vasta cultura que tinha. Apesar disso, em toda sua obra o lugar é citado apenas de relance, uma vez, numa pequena crônica.
— Certamente ele deve se penalizar por isso e como forma de compensar esse esquecimento deve ter vindo passar a eternidade aqui — brinca.
A julgar pelo depoimento de antigos funcionários, Machado não está sozinho por lá.
— Duas funcionárias, a Carla e a Cristina, estavam certo dia numa salinha e escutaram um caminhar idêntico ao de um antigo bibliotecário que trabalhou muitos anos aqui, o Sr. Arthur. Ele gostava muito dos livros, tinha até ciúme. Quando os passos se aproximaram do local onde elas estavam uma delas disse que não queria ver nada. Os passos pararam, mas elas nunca mais foram naquela sala depois disso — disse Célia Verônica de Castro, encadernadora do RGPL, que afirmou já ter visto vultos durante o trabalho.
O historiador, professor e guia turístico Milton Teixeira, é um conhecido estudioso do assunto. Certa vez, foi convidado a passar a noite no Castelinho do Flamengo onde, acredita-se, habita o espectro de uma menina, antiga moradora da casa na primeira metade do Século XX.
— De madrugada ouvi um barulho forte na janela e fui conferir. Era apenas uma mariposa. Na verdade, não tenho medo dos mortos, mas sim dos vivos. Quanto mais vivo pior — diverte-se.
O professor acredita que espíritos convivem conosco de várias formas e que há pessoas com sensibilidade suficiente para perceber a presença desses seres. Na sua opinião, o fato de muitos lugares com histórico de aparições terem ficado fechados por tanto tempo pode, sim, ter proporcionado mais espaço para esses fenômenos.
— Não resta dúvida que esse período da pandemia pode ter contribuído para aumentar a incidência ou a percepção desses fenômenos. Com certeza movimento demais atrapalha, inclusive os eventos costumam acontecer sempre depois do expediente, geralmente são vigias noturnos que testemunham essas manifestações. Quando tem muita gente, eles (os espíritos) se afastam. Locais fechados, vazios, podem levar alguns a se estabelecer. Espaços grandiosos e históricos são propícios a esse tipo fenômeno não apenas no Rio, mas no mundo todo — analisou Milton Teixeira.
A experiência de ver assombrações é para poucos, mas a beleza dos prédios históricos onde eles podem (ou não) aparecer está à disposição de todos. Basta querer conhecer essas joias arquitetônicas que, juntamente com a exuberante natureza carioca, fazem desta uma cidade única. Com ou sem fantasma, o fato é que o Rio é mesmo um assombro!
Uma noite (arrepiante) no Museu
Museu Histórico Nacional foi adaptado na época para o evento e hoje apresenta uma exposição sobre o centenário — Foto: Custodio Coimbra
O Museu Histórico Nacional funciona num local ocupado pelos portugueses desde o início século XVII e que já abrigou um forte, uma prisão, um arsenal de guerra e um quartel militar. São mais de 400 anos de história naquela área. Terreno fértil para aparições misteriosas.
— Quando trabalhava na biblioteca, já faz alguns anos, eu limpava as prateleiras de livros quando escutei passos e logo fui ver quem era. Eu vi uma pessoa andando em ziguezague entre as prateleiras. Fui atrás, pra chegar mais perto. Eu vi a pessoa atravessando a porta da biblioteca para o arquivo, então fui perguntar à responsável de lá e ela disse que não tinha visto ninguém. Algum tempo depois, aconteceu o mesmo com ela — lembra a copeira Jaquiline da Silva Cosme.
Para além do Centro histórico, o local que hoje abriga a sede do campus da UFRJ, na Praia Vermelha, foi inaugurado em 1852 para ser o Hospício de Pedro II. O “Palácio dos Loucos”, como chegou a ser chamado, foi desativado e entregue à universidade apenas da década de 1940. O grande e belo edifício, estruturado em extensas alas simétricas, com pátios e jardins internos, também tem histórias de arrepiar os cabelos. Sinos que tocam sozinhos, vultos de variada natureza e até uma misteriosa cantora de ópera com hábito de ensaiar à noite, estão entre os relatos ouvidos.
— Assim que as atividades presenciais retornaram, um profissional veio trabalhar no conserto das janelas do Salão Pedro Calmon. No dia seguinte, ele perguntou se havia alguém ensaiando ópera por aqui. Respondi que não e ele ficou impressionado porque jura que ouviu uma mulher cantando, mas o prédio estava vazio — disse um funcionário que pediu para não ser identificado.
O Castelinho (assombrado) do Flamengo
Castelinho do Flamengo: beleza assombrosa — Foto: Márcia FolettoConstruído no início do século XX, em estilo eclético, o prédio que ficou conhecido como Castelinho do Flamengo ganhou os holofotes por ser o único do gênero a ficar de pé naquela região, após o processo de modernização da cidade. O local foi construído por um próspero comerciante que viveu ali com a esposa e a filha. A garota, chamada Maria de Lourdes, teria presenciado a morte dos pais, que teriam sido atropelados por um bonde que passava na frente da casa. Depois disso, ela passou a ser cuidada por um tutor que a maltratava. Para dar fim às violências Maria de Lourdes teria, então, tirado a própria vida ali mesmo e desde então assombra o local.
— Nós já ouvimos vários relatos de pessoas que dizem ter visto ou sentido algo aqui. Precisamos respeitar a percepção de todos, mas não temos indícios concretos de nenhum fenômeno dessa natureza. No fundo essa fama é boa, pois muitas pessoas acabam procurando o Castelinho por causa dela e se encantam com o lugar quando chega — opina Vander Firmino, gestor do centro cultural Oduvaldo Viana Filho (o nome oficial do Castelinho.
O Centro cultural está fechado para obras e a expectativa é de reabra no ano que vem.
Localizado na Praça XV, local repleto de história, o Arco do Telles é um marco arquitetônico da cidade, mas que também ficou famoso por abrigar o fantasma de Bárbara dos Prazeres, mulher casada com um homem rico e cuja história trágica inclui o assassinato do marido e do amante, falência e prostituição. Após sua morte, ela teria ficado a vagar pela região assombrando os passantes até os dias de hoje.
— Já vimos coisas inexplicáveis aqui. Uma vez uma das portas de vidro abriu sozinha e ela estava fechada com uma corrente. Outra vez escutei barulho das correntes do elevador, mas ele estava desligado — disse Carlos Augusto Cordeiro, funcionário de um prédio ao lado do Arco.
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