Via: memoriabit.com.br · by · August 31, 2018
Como assim? Logo nós, que usamos emulador até dizer chega, com um título clickbait desses?
Seria hipocrisia colocar só defeito num invento tão genial. Não fossem emuladores, uma porção sensível de games estariam, à essa altura, completamente inacessíveis. Como experimentar a raríssima versão de Tetris no Mega Drive? Ou aqueles arcades obscuros que praticamente não saíram do Japão (e considerando a idade, jamais sairão)? Ou aqueles jogos de hardware que você nunca nem viu, tipo Amiga e Commodore?
Há quem discuta a legalidade deles — ou melhor, dos games jogados neles. De fato, há muito o que ser dito, contra e a favor. Mas são inquestionáveis as vantagens, que vão além da dita "preservação de software". Savestates, filtros de imagem, a praticidade... Daria um artigo à parte, uma lista bem longa.
Mas por que falamos tão pouco das desvantagens da emulação?
Pois é. Como tudo na vida, tem desvantagens.
1. Experiência incompleta
Por que você joga no emulador? Entre várias razões, algumas citadas no começo do artigo, certo? Também é comum procurar o emulador para relembrar a sensação do passado. Pela nostalgia.
Mas a nostalgia, para muitos, não é saciada só com a experiência do jogo em si. Em termos de games, há um pacote sensorial que inclui o hardware. Determinados controles foram exclusivos demais pra serem sentidos no teclado, ou no controle do Xbox para PC. Quem já tentou, sabe que Ocarina of Time no Nintendo 64 é totalmente diferente de Ocarina of Time no Project 64 com o controle do Xbox 360...
E clássicos do Neo-Geo no monitor tubão e o som grave do arcade, contra a telinha com som murcho do celular? Sem condição. O emulador, nesses casos, é só uma corruptela da experiência real. Um tapa-buraco. Por mais que LEDs sejam show, quem quiser exatamente o visual para o qual o game foi projetado, tem que jogar na TV ou monitor CRT. Senão, resta apelar aos filtros gráficos, que de acordo com a configuração, pioram o desempenho geral — e nunca fica igual.
Acessórios também contam: pistolas light gun são incompatíveis com monitores atuais, precisando ser emuladas por opções terríveis como mouse ou um dos analógicos.
2. Legalidade
A legalidade dos emuladores já foi bastante discutida. Houve um caso emblemático nos Estados Unidos, que foi da Sony contra os produtores do Bleem!, emulador de PlayStation para PC e Dreamcast. A resolução foi que o Bleem! não era ilegal, mas o uso de software que pertencia à Sony e parceiros sim. Ela é a base jurídica para emuladores até hoje.
Aí você pensa: oras, o emulador é legal, mas o software não? Pois é. A mera existência de um emulador não é ilegal, e fim de assunto. Mas obter arquivos dos games, como ROMs e ISOs (no entendimento de "algumas empresas", mesmo tendo o original) é outra história. Cria-se uma situação absurda em que a ferramenta é legalmente válida, mas seu uso quase sempre não.
Volta e meia ainda são usadas maluquices como a "lei das 24 horas*" e o "se a empresa não usa mais, caiu em domínio público". Com os retrolançamentos na Steam e outras plataformas, essas bobajadas caíram de vez por terra. Então, se você adora jogar mas faz questão de andar absolutamente dentro da lei, é quase impossível usar um emulador para jogar clássicos. Salvam-se games liberados pelos fabricantes, independentes, homebrews, discos originais, e ROMs obtidas legalmente.
E a cópia de um jogo que já é seu? O entendimento aí é confuso. A maioria das empresas defende a cópia só para fins de backup. A Nintendo chama esse backups de "uma raríssima exceção" ao seu veto universal às cópias, e já tachou emuladores de "maior ameaça existente aos direitos sobre propriedade intelectual dos desenvolvedores de software". E está numa cruzada legal contra sites que distribuem ROMs.
3. Imprecisão e incompatibilidades
Um jogo rodando no console NÃO É o mesmo rodando no emulador. Praticamente todos os emuladores usam truques e atalhos para tornar os games jogáveis. Lembra quando o produtor escreveu algo sobre "preservação"? Em geral, não é bem assim. Se o intuito fosse preservar o software em seu estado puro, todos os emuladores buscariam máxima fidelidade técnica. Poucos têm foco em precisão, caso notório do Higan.
A fidelidade é tão alta, na maioria dos casos, que não faz diferença importante jogar no console ou emulador. Falamos na ordem de 95% ou mais, que costuma ser a base para desenvolvedores. Mas como nota esse belo artigo do ArsTechnica, dobrar a precisão da emulação o torna duas vezes mais lento. Dobre a precisão de novo, e ele estará quatro vezes mais lento, etc.
Maior precisão, contudo, significa cada vez menos diferença na jogabilidade. Algo que não empolga nem o desenvolvedor, nem o usuário. Quanto mais preciso (e lento), mais hardware o jogador vai precisar. Para emular um SNES, com sua CPU de 3,58 MHz, é preciso no mínimo 3 GHz de processamento puro. E cada clock do SNES precisa bater com os tempos do PC. Para a sincronia funcionar como deve, o PC terá que trabalhar muito rápido.
Por isso a maioria foca na jogabilidade, com hacks que forem necessários. E com isso, alguns games tem sérios problemas, com incompatibilidades específicas e insolúveis naquele estágio de desenvolvimento. O desenvolvedor conserta um game, e quebra outros dois que foram feitos de outro jeito. É uma colcha de retalhos irregulares.
4. Muito jogo, pouco uso
Emulador com uma pasta romset... O sonho e40t1c0 de muito jogador dos anos 90. Não pegar fila na locadora, espera. Encontrar tudo em alguns cliques. Nada menos que um sonho.
Tem coisas que funcionam na fantasia. Mas na vida real, seria tão proveitoso assim se num passe de mágica, todos os jogos de um sistema desabassem sobre sua cabeça, inundando seu quarto? Quantos seriam realmente aproveitados, e quantos ficariam ali só ocupando espaço?
É uma das confissões comuns de quem cedeu ao frenesi de sets completos de ROMs: por estranho que seja, o excesso de oferta tira o foco. Você vai passando de jogo em jogo, e não termina ou se aprofunda em quase nenhum. Mesmo sendo focado e não se perdendo nesse "zapear", pouco adianta acumular tanto. O tempo é muito curto para conferir metade que seja de um set completo.
O jeito é fazer algo não tão diferente de jogar no console: escolher alguns bons games e aplicar seu escasso tempo neles. Enquanto entope um HD com centenas de ROMs, porque vai que um dia precisa...
5. Menos amigável
Boa parte dos emuladores não tem versão em português. Há exceções como ZSNES, o Snes9x, e o RetroArch, que não é exatamente o emulador, mas a interface. E mesmo em português, fazer a configuração e deixá-los tinindo não é tão simples.
Essa é maior vantagem dos consoles, ao menos dos antigos, alvos de emulação. Não tem dificuldade: plug aqui e ali, ligou e saiu jogando. E em qualquer canto da casa, basta ter a TV; você não fica preso a um PC ou telinha minúscula do smartphone ou outro portátil.
Talvez você, acostumado com tecnologia, tire de letra configurar um RetroArch. Instalar, baixar todos aqueles cores, ajustar controle, interface, contas, etc. Mas para um público médio, que só quer jogar sem preocupação, nada é mais simples que ligar o velho e bom console na TV.
6. Input lag na TV
O famoso lag é um dos pontos negativos de boa parte dos emuladores, principalmente retroboxes ligadas ao monitor.
O atraso entre a entrada no controle e uma reação na tela é inevitável. Existe um tempo, ainda que mínimo, para a geração da imagem em seu monitor, dependente de fatores como hardware, cabos, filtros de imagem e vários outros. A arquitetura dos consoles era diferente demais dos dispositivos modernos para que tudo funcione igual, mesmo passando pelas várias camadas do sistema onde roda.
Até em emuladores de extrema fidelidade, como o Higan, em alguns jogos o input lag chega a 5 milissegundos. É pouco? Sim, pouquíssimo. Mas em plataformas e shooters, por exemplo, que exigem movimentos precisos, pode ser suficiente para arruinar a jogabilidade. O MAME, multi-emulador conhecido pelos jogos de arcade, tem vários quase condenados por input lag. Há esforços como o ShmupMAME aplicados em eliminar o problema.
7. Savestates
Arquivos de salvamento são ajuda indispensável dos emuladores pra quem tem tempo escasso. Com a vida adulta, sabe como é... Não dá pra ficar horas e horas, em partidas longas, virando noites como na infância. Você joga um pouco, salva literalmente em qualquer lugar — até durante um hadouken, se precisar — e volta ao ponto quando puder e quiser.
Mas tal como romsets, o excesso de recursos aqui é o ponto negativo. Se o usuário não for disciplinado, savestates representam o fim da diversão e desafio de um game. Como não eram sequer cogitados quando os jogos foram projetados, seu efeito destrói a maneira original de jogar. Abusar de savestates nem é jogar, é só manipular um software.
Imagine um longo game de plataforma, com pontos de salvar após passar por sequências de buracos e inimigos. Garantindo um save a cada salto, o jogador escapa daquele desafio sempre que perder. Chega mais rápido ao final, mas também abrevia tudo que o projetista imaginou.
Isso é bom para quem? Só pra você que está com pressa de ver o final. Seria melhor usar savestates só em pontos que permitiriam o salvamento interno do próprio design do game.
8. Patrimônio zero
A migração de mídias nos fez abandonar muita coisa. Dos CDs aos DVDs, passando por cartuchos e documentos impressos, quase tudo foi para o armazenamento digital. Muita gente vendeu coleções de LPs e CDs porque tinha tudo no Napster ou no SoulSeek. Mesma coisa com cartuchos: pra que acumular jogo em casa, se existia Emuparadise e torrents?
E idem com emuladores. Bastante gente abriu mão de consoles antigos, já que podia emular no PC. Pra quem tem pouco espaço ou joga raramente, faz sentido. Imagine o cara que joga de vez em nunca, entupindo a casa com isso aí embaixo? Óbvia a escolha por emular em vez de reservar um canto, fazer instalação elétrica adequada, guardar um monte de acessórios, limpar isso tudo...
Ter consoles e mídia física é trabalhoso, fora o preço.
Mas há quem goste do hardware, e também pensa em manter um pequeno patrimônio. Quem juntou um belo acervo, conservado, com caixas e tudo mais, sonha até em pagar uma faculdade se desfazendo da coleção. Quem passa adiante itens cada vez mais raros (pense num set completo do NES daqui uns 20 anos), abre mão de um futuro valor, em prol de arquivos sem valor comercial.
9. Respeito*
No mundinho dos "gamers de verdade" ?, muito do respeito é medido pelo tamanho da sua... coleção. Por que tantos youtubers famosos que falam de games, aparecem com prateleiras lotadas de discos e cartuchos? Porque o simples fato de ter coisas é um vale-credibilidade com parte do público. Sua coleção é atestado de interesse e envolvimento.
Patético? Talvez, porém real. Lembre de quem joga no smartphone e não escapa de rótulos como "poser". Assim, se você usa só emulador, abrindo mão da "experiência real" dos consoles, pra alguns nem jogador você é. Se faz resenhas jogando no emulador, pior ainda. "Você não pode avaliar som usando emulador, o chip de áudio soa totalmente diferente no hardware real", já leu dessas por aí, né?
Pra quem não sabe, há um policiamento de críticos de games (e até em discussões online) em relação a divulgação da gamertag. Assim, podem conferir se ele realmente jogou o game usando sua própria conta. Fiscalização de gamertag, é mole?
Num ambiente com tal nível, ser jogador de emulador é quase crime.
10. ?
Não consegui achar um 10º motivo minimamente válido pra não usar emuladores. Aliás, vários dos anteriores estão aqui como registro. Não concordo com a maioria.
O mais universal é a questão da cópia ilegal. Embora a maioria dos emuladores seja descrita como "projeto de preservação", a gente sabe que o foco é jogar mesmo. E sendo quase impraticável obter ROMs de nossos próprios cartuchos, fica inevitável o uso de obtidas da internet. Aí entramos no pantanoso campo da "área cinzenta legal", em que não há legislação clara, e cada um defende seu lado.
Também é claro (ou devia ser) o potencial nocivo na emulação de jogos recentes — como a galera que conseguiu emular Breath of the Wild do Wii U, quase ao mesmo tempo em que a versão Switch era lançada. E mais grave: aceitando doações para isso.
Com o lançamento de miniconsoles pelos próprios fabricantes, a questão moral vai ficando mais em pauta. Afinal, nosso grande escudo até hoje era o fato de nenhum profissional ou dono das marcas lucrar com esses jogos do passado.
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